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Young female tourist at St. Peter's squareUma ex-colega de um curso de cinema, Amanda, colocou no face que ao completar 30 anos se daria de presente uma viagem internacional. Sozinha. A grande questão, pelo que entendi, era se deveria ou não embarcar nessa loucura? Achei engraçado, pois há anos viajo só e nunca achei que fosse loucura. Semana passada, voltei de mais um voo solo. Fui para Espanha e Marrocos. Se gostei? Sim, em especial da Espanha. Todos que me conhecem sabem que amo sair por aí, conhecer lugares, culturas, pessoas, comidas e músicas diferentes. Não importa se acompanhada ou sozinha. Acho que quando nasci, ao invés de uma certidão de nascimento, deveria ter ganho um passaporte. O fato é que minha primeira excursão pelo mundo começou aos cinco anos e desde então não parei. Viajar é como respirar. É mais do que sentir o ar entrando pelas narinas e invadindo os pulmões, é crucial para a minha sobrevivência.

Quando falo em viajar a grande maioria pensa em praia ou sítio, poucos imaginam outro Estado e um número menor ainda, outro país. Exceto, é claro, os meus amigos. Ao comentar com a moça que corta o meu cabelo que ia viajar, ela disparou: Vai com quem? Pra onde? Casa de algum conhecido? Vai sempre pra lá? Por quê? As respostas foram monossilábicas: Sozinha. Espanha. Não. Não. Porque gosto. Simples assim. Achei melhor não esticar a conversa porque nada do que dissesse iria mudar a vida dela e muito menos a minha. Ao retornar, outra mocinha, só que esta trabalha no quilo em que almoço quase todos os dias, perguntou-me por que tinha sumido. Sai de férias. Fez o quê? Viajei. Nordeste? Meio sem graça, respondi: Espanha. A garota ficou boquiaberta. Sozinha? Sim. Imagino o que teria acontecido se eu citasse Marrocos. Enfim, ela emendou um: “É. De vez em quando a gente tem que chutar o pau da barraca mesmo”. Peguei o meu pratinho e sai de mansinho.

A primeira grande viagem sozinha foi para Inglaterra, Índia e Nepal. Cai de paraquedas num grupo de esotéricos. Não conhecia ninguém. Foi bizarro. Lembro-me de que foi uma discussão enorme com o meu então namorado, que não se conformava de eu gastar dinheiro daquela forma e não investir na compra de um terreno ou um carro, por exemplo. Até hoje, ouço as pessoas perguntarem a boca miúda por que eu não saio mais, não vou a restaurantes, não compro roupas e sapatos caros, Iphones, Ipad, Ipods, etc. Dou com os ombros e penso: Oras, porque eu posso. Posso escolher. Não preciso ser ou fazer como as outros. É claro que viajar sozinha demanda investimentos maiores, quase o dobro do que se estivesse indo com outra pessoa, mas são escolhas que a gente faz.

Enfim, sigamos. Segundo a Organização Mundial do Turismo, a quantidade pessoas viajando por esse mundão de meu Deus, aumentou 50 milhões entre 2014 e 2015 num total de um bilhão de viajantes anuais. Pra que tantos números? Só para explicar que apesar das viagens serem normais e saudáveis, e não haver nenhum absurdo nisso, há muito preconceito em se viajar sozinho. Se for mulher, então… a coisa complica. Como sozinha? Por que não vai com uma amiga? Não tem marido? Namorado? Quando não te chamam de corajosa, te tacham de coitada. Tá louca? E daí começa um rosário de histórias de terror que vão de assédio, sequestro, estupro a tráfico de escravas. Tudo porque o mundo é um lugar muito perigoso. Oras, viver é um risco. Seja aqui ou do outro lado do mundo. Por conta da violência, do terrorismo, dos políticos, ou de uma simples queda na rua. Sozinha ou acompanhada, acordar todos os dias é um ato revolucionário. Quem sabe não seja exatamente essa a graça da vida?

Praia-na-Malásia

Já fiz inúmeras viagens acompanhada e não nego que foi muito bom, mas também já fiz outras tantas, sozinha, inclusive para países tradicionais e muçulmanos e NUNCA me aconteceu NADA. Allah akbar[i]Cuidado. Cuidado. O alerta ecoa sempre que falo em viajar. Embora eu tenha um quê de Poliana e acredite que o mundo é um lugar bom, é claro que pode acontecer de eu estar no lugar errado na hora errada e as coisas fugirem ao controle. Mesmo consciente disso, não fico paranoica e continuo vivendo. Afinal, Maktub[ii]. Tem uma frase maravilhosa que não sei de quem é, mas me parece bastante apropriada: “Tá com medo? Vai com medo mesmo”. E é o que faço. Tomar cuidado, respeitar os costumes e as pessoas, e não dar chance para o azar sempre estão nos primeiros itens de minha checklist. E até agora tem dado certo. Allhamdulillah[iii]

O gosto pela liberdade devo à minha mãe, que apesar de rígida, incentivou-me a ganhar o mundo, estudar, trabalhar, viajar e acima de tudo, construir e conquistar minha própria independência. É claro que os tempos eram outros. Talvez mais tranquilos. Tudo começou nas férias escolares, devia ter uns 12 ou 14 anos, não sei direito, quando minha mãe não pode me acompanhar, então eu peguei o ônibus sozinha para a sítio de meus avôs. Foram 400 quilômetros, sem sair de São Paulo, da mais completa aventura, afinal eu já podia me considerar uma mocinha. Mô brisa, antes mesmo de existir a gíria. Numa outra vez, quando fui com minha tia ao balneário de Camboriú, quis voltar mais cedo e não tive dúvidas, peguei o ônibus e #partiusampa. Tinha 16. Nas minhas primeiras férias de trabalho, planejei com um namorado para conhecermos o Peru. Ele não pode ir. No problem. Fiz as malas e fui. Perdi o namorado, mas ganhei o mundo.

Descobri que é muito bom fazer as coisas no próprio tempo, comer onde lhe dá na telha, dormir e acordar a hora que achar melhor, decidir se vai sair para uma balada ou ficar moscando no hotel, se se quer ou não fazer um passeio. Sem contar que se conhece pessoas a todo instante. De fato, se você não tem problemas consigo mesmo, e eu não tenho nenhum, vale muito a pena. O chato é passar a viagem inteira tendo que responder por que está só. Olhando pelo lado bom, o tema pode até render uma boa conversa e quiçá uma nova amizade. Mas a pergunta que continua a martelar: Por que causa tanta estranheza mulheres viajarem sozinhas? Uma resposta que me pareceu bem coerente foi de Juliana de Faria, da ONG feminista Olga. Ela diz que essa é uma herança da época em que as mulheres não podiam sair sozinhas sem a companhia de um homem e se o fizessem eram malvistas. As mulheres como seres domésticos não podiam se ocupar dos espaços públicos, somente do lar, da cozinha, dos filhos, do marido. Esse olhar equivocado está presente não só em países árabes, mas aqui no ocidente e até no inconsciente de mulheres jovens, que não sabem nem ir ao cinema sem algum tipo de companhia.

Antes da minha última partida, minha tia, a de Camboriú, me questionou: Filhinha, o que você tanto procura? E ainda mais sozinha? Sinceramente não sei. Para Erico Veríssimo há os que viajam para fugir e os que viajam para buscar. As palavras de J.R.R. Tolkien resumem o que penso: Nem todos que procuram estão perdidos. Tenho sede de conhecimento, por isso sigo buscando. Se não acompanhada, só. Viajar é muito mais do que turistar. Cada voo solo é acima de tudo uma viagem interior que resulta em autoconhecimento e maturidade. Por esse motivo ao desejar parabéns para Amanda, disse-lhe apenas: Querida, te desejo saúde e muitas viagens. Vá viajar. Sempre. Tente só, mas se não se sentir confortável, vá acompanhada. O importante é ganhar o mundo, o resto são histórias e fotografias.

[i] Em árabe significa “Deus é Grande”.

[ii] Em árabe – “já estava escrito” ou “tinha que acontecer”

[iii] Em árabe – “Graças a Deus”.