Marco Ânio Vero (Marcus Annius Verus) nasceu a 26 de Abril do ano 121, sob o principado de Adriano, numa rica e distinguida família de origem hispânica. O seu avô, Cônsul por três vezes (caso raro naquela época), fora prefeito de Roma durante o reinado de Adriano. Pertenceu a uma família de aristocratas e muito cedo perdeu os pais. O imperador reparou nele desde criança e pagou-lhe os estudos. Além disso, as honras que Adriano lhe atribuiu ainda durante a infância (por exemplo, o título de “Verissimus”), mostram que o imperador – sem filhos -, o via como um potencial sucessor.
O jovem Marco Vero recebeu uma esmerada educação, com ênfase na retórica e na filosofia. Desde tenra idade que exibiu um ar culto e circunspecto, que lhe valeu a atenção do imperador Adriano. Aos onze anos conheceu o estoicismo e adotou hábitos de vida austera. Após os anos de sua formação passou a colaborar intimamente com o imperador, seu pai adotivo, ocupando o cargo de cônsul por três vezes.
Antes de morrer, no ano 138, Adriano nomeou sucessor o rico senador T. Aurélio Fúlvio Boiónio Árrio Antonino (T. Aurelius Fulvus Boionius Arrius Antoninus), de 52 anos, com a condição de que este último adotasse o jovem Marco Vero (bem como o filho de Ceiónio Cómodo, seu antigo co-imperador, Lúcio Aélio Cômodo). O jovem Marco Vero, agora chamado Marco Aélio Aurélio Vero (Marcus Aelius Aurelius Verus), tornou-se assim herdeiro do principado, em conjunto com o também jovem Lúcio Cômodo.
O longo principado de Antonino foi um dos mais pacíficos e brilhantes de toda a história do Império Romano. Foi a época áurea da Pax Romana, durante a qual Marco Aurélio ascendeu todos os degraus do Cursus Honorum. Cônsul em 140 e 145, recebeu o poder tribunício (tribunitia potestas) em 147, talvez em conjunto com o império proconsular (imperium proconsulare).
Apesar da sua dedicação à carreira pública, Marco Aurélio não perdeu o contato com a filosofia. Continuou a privar com filósofos e pensadores distintos, como Herodes Ático, Frontão, Epíteto e Aélio Aristides. O jovem César pertencia à escola dos estóicos, como comprova a sua obra “Pensamentos para mim próprio” (escrita em grego, com o título “Ta eis heauton”, e também chamada “Meditações”). Note-se que estes Pensamentos não foram escritos para serem publicados, mas sim como reflexão pessoal para o ajudar a enfrentar a adversidade com fortaleza e serenidade, tendo como temas a moral e o sentido da vida.
Em 161, Aurélio Antonino morre e Marco Aurélio torna-se imperador, em conjunto com Lúcio Cômodo. No entanto, Marco Aurélio era visto como o principal governante, uma vez que Lúcio era demasiado dado aos prazeres e à dissipação. O contraste entre o estóico Marco e o inconsciente Lúcio dava ao primeiro a autoridade moral necessária para governar quase sozinho. No entanto, caso raro na história dos Césares, o próprio Lúcio aceitava este estado de coisas e Marco, por seu turno, cuidava e protegia o seu co-governante. Um caso raro numa longa história de traições, assassínios e guerras civis. E quando Lúcio morreu, em 169, Marco Aurélio assumiu o poder sozinho. O governo de Marco Aurélio se estendeu por quase vinte anos (até sua morte) e foi perturbado por guerras sangrentas e prolongadas, com as conseqüentes dificuldades internas.
Ele conseguiu enfrentar todas as dificuldades, tendo sido excelente guerreiro e administrador e, ao mesmo tempo, humanizando profundamente o exercício do poder. Nos poucos momentos que permitiam os encargos de governo, recolhia-se à reflexão filosófica e escrevia seus pensamentos em língua grega. Com isso, tornou-se o terceiro e último expoente do estoicismo romano. O conteúdo de suas Meditações (como ficaram conhecidos posteriormente seus pensamentos), é a filosofia estóica, mas um estoicismo distante das doutrinas de Zenão. As especulações físicas e lógicas cedem lugar ao caráter prático dos romanos e ao aconselhamento moral.
Em Marco Aurélio, como também nas máximas de Epíteto, a questão central da filosofia é o problema de como se deve encarar a vida para que se possa viver bem. Esse problema é tratado com grande esforço e interesse por Marco Aurélio, homem religioso e pouco interessado na investigação científica. Em seus pensamentos, são bem visíveis as tendências ecléticas. Ele não hesita em acolher posições de sabedoria que vêm até mesmo de Epicuro. Mas, uma das características que mais impressiona o leitor de suas Meditações, é a insistência com a qual é tematizada e afirmada a “caducidade” das coisas. Eis uma passagem que ilustra esse pensamento:
“Quão rapidamente, num segundo, desvanecem todas as coisas, os corpos no espaço, e a memória desses no tempo! E o que são todas as coisas sensíveis e, especialmente, as que nos seduzem com a voluptuosidade ou nos amedrontam com a dor ou são exaltadas pelos homens! Quão vis são, desprezíveis, horríveis, corrompidas, mortas!”.
Marco Aurélio também rompe com o antigo Pórtico, quando distingue no homem: o corpo, que é carne, a alma, que é sopro ou pneuma (ar) e, superior à própria alma, o intelecto ou mente. Enquanto o antigo Pórtico identificava o princípio dirigente do homem com a parte mais elevada da alma, Marco Aurélio o põe fora da alma e o identifica com o intelecto. Por essa razão, o estoicismo de Marco Aurélio freqüentemente apresenta discrepância em relação às suas origens gregas. Por certo, a verdadeira chave para a compreensão das oscilações de Marco Aurélio deve ser procurada menos em suas características psicológicas do que nas circunstâncias históricas em que viveu. Embora sua colaboração tenha sido de grande importância, ele não chegou a ser um pensador original.
Marco Aurélio foi um governante consciencioso e justo – não apenas pelos padrões romanos -, e a historiografia romana dos séculos seguintes apenas o acusa de um grave erro: ter nomeado herdeiro o seu filho Cômodo, que viria a revelar-se um tirano ao estilo de Nero e Domiciano (embora, como estes dois, tenha sido alvo de intensas campanhas que visavam denegrir a sua imagem, por parte dos seus adversários).
Muitos consideram Marco Aurélio o último imperador do chamado “Alto Império”. Quando ele morreu, em 180, em Vindobona (atual Viena), teve início um longo século de distúrbios, guerras civis e invasões estrangeiras – durante o qual a própria existência do Império esteve em causa -, e que só terminaria com a ascensão de Diocleciano e a instauração do regime “totalitário” do Dominado.
Bibliografia recomendada: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. São Paulo, vol. IV Edições Loyola, 1993.
Frases do Imperador Marco Aurélio
A nossa vida é aquilo que os nossos pensamentos fizerem dela.
Nada de desgosto, nem de desânimo; se acabas de fracassar, recomeça.
Muitas vezes erra não apenas quem faz, mas também quem deixa de fazer alguma coisa
O melhor modo de vingar-se de um inimigo, é não se assemelhar a ele.
Mantenha-se simples, bom, puro, sério, livre de afetação, amigo da justiça, temente aos deuses, gentil, apaixonado, vigoroso em todas as suas atitudes. Lute para viver como a filosofia gostaria que vivesse. Reverencie os deuses e ajude os homens. A vida é curta.
Pratica cada um dos teus atos como se fosse o último da tua vida.
Se te ocorrer, de manhã, de acordares com preguiça e indolência, lembra-te deste pensamento: «Levanto-me para retomar a minha obra de homem».
Antes o reprovamento por um gênio do que um louvor de um idiota.
A experiência é um troféu composto por todas as armas que nos feriram.
Não se é menos culpado não fazendo o que se deve fazer do que fazendo o que não se deve fazer.
A arte de viver é mais parecida com a luta do que com a dança, na medida em que está pronta para enfrentar tanto o inesperado como o imprevisto e não está preparada para cair.
Quanto não ganha em tranqüilidade quem não se preocupa com o que o vizinho diz, faz ou pensa, mas apenas com os seus próprios atos.
Não desprezes a morte; dá-lhe boa acolhida, como a uma das coisas que a Natureza quer.
Mudar de opinião e seguir quem te corrige é também o comportamento do homem livre.
Rejeita a sede dos livros, para que não morras com queixumes, mas serenamente.
Os homens são feitos um para o outro: instrui-os, ou então, suporta-os.
A maior parte das coisas que dizemos e fazemos não é necessária; quem as eliminar da própria vida será mais tranqüilo e sereno.
Quem peca, contra si peca; quem comete injustiça, a si agrava, porque a si mesmo perverte.
Se tens dificuldade em cumprir um intento, não penses logo que seja impossível para o homem; pensa quanto é possível e natural para ele, e que também pode ser alcançado por ti.
Mais penosas são as conseqüências da ira do que as suas causas.
Se uma causa exterior te perturba, a tua aflição não vem dessa causa, mas, sim, do teu juízo a respeito dela. Em teu poder está a possibilidade de diluir essa aflição. Se teu desgosto decorre de uma disposição interior, quem te impede de corrigir teu estado de espírito.