:: Por Lidia Natalia Dobrianskyj Weber* e Ana Paula Viezzer ::
Eu não entendo por que as pessoas assustam-se com as novas idéias. Eu fico assustado com as idéias antigas (John Cage).
Uma história contada pela escritora americana Astrid Lindgren ilustra de maneira afetiva a irracionalidade do castigo físico e de como ele é visto pelos olhos de uma criança. Certa vez, uma senhora contou que quando era jovem não acreditava no castigo físico como uma forma adequada de educar uma criança, apesar do pensamento comum da época incentivar o uso de um fino galho de árvore para corrigir a criança. Um dia, o seu filho de 5 anos fez alguma coisa que ela considerou muito errada e, pela primeira vez, sentiu que deveria dar-lhe um castigo físico. Ela disse para ele que fosse até o quintal de sua casa e encontrasse uma varinha de árvore e trouxesse para que ela pudesse aplicar-lhe a punição. O menino ficou um longo tempo fora de casa e quando voltou estava chorando e disse para a mãe: “Mãezinha, eu não consegui achar uma varinha, mas achei uma pedra que você pode jogar em mim”. Imediatamente a mãe entendeu como a situação é sentido do ponto de vista de uma criança: se minha mãe quer bater em mim, não faz diferença como e com o quê; ela pode até fazê-lo com uma pedra. A mãe pegou seu filho no colo e ambos choraram abraçados. Ela colocou aquela pedra em sua cozinha para lembrar sempre: nunca use violência. Por que, afinal, os pais batem em seus filhos?
A punição física é uma prática educativa que sempre foi muito utilizada por pais. Os resultados de pesquisas, realizadas em 2001 pelas autoras, mostraram como a palmada está difundida no meio familiar e como ela chega a se tornar abuso infantil. Uma delas, visando explorar quais técnicas têm sido utilizadas pelos pais para educar seus filhos, indicou que 88% das crianças e adolescentes (de 9 a 14 anos de diferentes níveis econômicos) já apanharam. O que surpreende também, é que 66% dessas crianças e adolescentes concordaram com a idéia de que, quando fazem coisas erradas, as crianças devem apanhar. Isso indica que muitos filhos estão herdando o conceito de que o bater é necessário para a educação, é assim que essa prática educativa vai passando de geração em geração. Uma outra pesquisa, feita no SOS-Criança de Curitiba-PR, mostra que a punição física pode ultrapassar limites e transformar-se em violência. Os resultados desta pesquisa mostram que o agressor alegou que estava educando e corrigindo o comportamento da criança ou adolescente (52%). Entre os 400 registros de denúncia estudados nesta pesquisa, pouco mais da metade foi de pais que agridem seus filhos pensando estar educando.
Esta “maneira de educar” está muito enraizada na sociedade, pois ela foi utilizada ao longo de toda a história da humanidade como sendo uma boa forma de se educar crianças e de mantê-las longe do mal. O castigo físico, como também o infanticídio foram tolerados durante muitos séculos e os métodos pedagógicos em que se utilizavam varas e palmatórias eram justificados com pensamentos que indicavam que o mal precisava ser expulso da criança, como mostrava Santo Agostinho: “Como retificamos a árvore nova com uma estaca que opõe sua força à força contrária da planta, a correção e a bondade humanas são apenas o resultado de uma oposição de forças, isto é, de uma violência”. Somente no século XVIII, é que a criança começou a ser valorizada como um ser humano que necessita de cuidados e atenção especiais. Este período marca uma maior aproximação entre os filhos e seus pais verdadeiros, ou seja, nos séculos anteriores a criança ficava sob cuidados de pessoas alheias à família, mas gradativamente ela passou a ter um contato mais intenso e também afetivo com seus pais (Bandinter, 1985; Roig & Ochotorena, 1993; Ariès, 1978).
A valorização da criança levou muitos estudiosos a pesquisarem e conhecerem melhor todo o processo de desenvolvimento infantil e também as melhores formas para se conseguir uma boa educação. Neste contexto surge o debate sobre o uso da punição física, prática milenar que se perpetua até os dias atuais.
A ciência da análise do comportamento possui um conjunto de princípios e dados que pode objetivar essa questão. Skinner (1976) provou experimentalmente que a punição física não funciona a longo prazo e traz efeitos maléficos. O efeito imediato é suficiente para as pessoas continuarem a utilizar esta prática educativa, mas é ilusório. Depois de um tempo sem a punição o comportamento reaparece. Isso é inevitável, uma vez que nem sempre o agente punidor estará presente quando a criança fizer o que é considerado errado. Muito raramente uma atitude é sempre punida, o que, aliás, provoca uma confusão para a criança, pois ela perde a noção de quando ela pode fazer algo ou não. Skinner ainda traz um aspecto, dentre outros, da punição: os comportamentos incompatíveis (choro, medo, ansiedade, raiva, susto) gerados pela punição não indicam nenhuma mudança na freqüência do comportamento punido, e podem também ser condicionados a aparecerem em outras ocasiões.
Segundo Skinner, além de comportamentos incompatíveis, os comportamentos de esquiva e fuga também podem ser condicionados, pois a criança quer “se ver livre” da estimulação aversiva que é o castigo físico. Portanto a criança poderá continuar com seus comportamentos inadequados, porém escondendo-se de seus pais e até mentindo.
Um aspecto problemático da punição física refere-se ao princípio de qualquer punição: não mostra o que deve ser feito, apenas o que não deve. A punição enfoca o erro e não ensina o certo (Bettner & Lew, 2000), então se aprende que é errado tomar tal atitude, mas não se aprende o porquê e nem o que deve ser feito no lugar do erro. “Quando muito, punição somente o ensina o que não fazer”(Sidman, 1995, p. 60). Além de não ensinar o correto, a punição está inserida num contexto coercitivo. Coerção é uso de punição ou ameaça de punição com o objetivo de que o outro faça o que gostaríamos que fizesse. Um pai que coage seu filho ameaçando-o de punição ou punindo-o por não ter feito o dever de casa, por exemplo, está se utilizando de um poder sobre a criança. Assim, a coerção pressupõe uma hierarquização de poder, envolvendo sempre alguém que manda e alguém que obedece.
Já foi visto que a maioria dos pais educam seus filhos utilizando punições físicas e que muitos argumentos comprovam que não é esta a melhor forma. Mas para mudar as atitudes dos pais é preciso entender o que os leva a baterem em seus filhos. Seria a pura intenção de disciplinar as crianças? As palmadas são geralmente dadas para aliviar aqueles que batem; os pais descontam nos filhos suas irritações presentes ou mesmo passadas (pais que apanharam na infância) e tornam a agressividade um círculo vicioso (Cornet, 1997). Assim, muitos pais cometem o erro de descarregar seu próprio nervosismo na criança, criando muitas vezes situações de grande incoerência. Portanto, os pais podem ser estimulados a ter uma explosão sob forma de violência, apenas por um pequeno comportamento inadequado da criança (Skinner, 1976). Neste caso, a punição física deixa de ter um caráter educativo, para transformar-se realmente em falta de controle dos pais e agressão. Na verdade, o problema encontra-se no limiar entre método disciplinar e agressão infantil. Frias-Armenta (1999) afirma que os pais não têm consciência do limite entre punição física disciplinar e abuso infantil. Em razão disso pode-se concluir que a passagem da punição para o abuso é muito frágil. A punição física aparece, então, como um fator de risco para o abuso e por isso deve ser evitada (Whipple & Richey, 1997; Straus, 2001).
Pode-se dizer que, em muitos casos, a falta de controle dos pais surge pelo fato de eles não saberem como agir em determinadas circunstâncias. Nesse sentido, os pais atuais precisam ter acesso ao conhecimento de outras práticas educativas que sejam eficazes para criar e manter um repertório de comportamentos adequados, desenvolver habilidades sociais e manter uma dinâmica familiar com muito afeto positivo e comprometimento. A maneira mais adequada de educação dos filhos vem sendo muito pesquisada. O estudo dos estilos parentais trata esse assunto de forma objetiva, investigando o conjunto de comportamento dos pais que cria um clima emocional em que se expressam as interações pais-filhos e tendo como base a influência dos pais em aspectos comportamentais, emocionais, intelectuais dos filhos.
A iniciadora desta linha de pesquisa sobre educação pais-filhos foi Baumrind (1966), que propôs o estilo autoritativo como melhor forma de controle dos filhos. Este estilo autoritativo fica melhor compreendido quando os estilos parentais passam a ser estudados por meio de duas dimensões: exigência e responsividade (Baumrind,1971; Maccoby & Martin,1983), as quais combinam-se para classificar quatro tipo de estilos: autoritativo (exigente e responsivo); negligente (pouco exigentes e pouco responsivo); autoritário (exigente e pouco responsivo); permissivo (responsivo e pouco exigente).
Diversas pesquisas se desenvolveram nesta área e o estilo autoritativo sempre se mostrou como aquele que produz melhores efeitos na formação dos filhos como: melhor desempenho escolar (Dornbush et al., 1987), maior facilidade na escolha profissional (Kerka, 2000); menor índice de depressão e delinqüência (Jones, 2000). Nessa direção de explorar es efeitos dos estilos parentais nos filhos, as autoras estão realizando uma pesquisa, visando encontrar relação entre os estilos parentais e o otimismo das crianças. Os resultados encontrados mostram que os filhos de pais autoritativos são os mais otimistas. Os pais autoritativos combinam comportamentos de exigência, em cumprimento de regras e estabelecimento de limites, com comportamentos de responsividade, dando retorno às demandas dos filhos e possibilitando-lhes maior autonomia e auto-afirmação. De um lado há uma posição de controle e poder e de outro uma posição de compreensão e bi-direcionalidade. São dois aspectos que contribuem, cada um à sua maneira, para que as crianças reajam de maneira otimista tanto diante de acontecimentos ruins como bons. As crianças otimistas são aquelas que explicam os acontecimentos bons de forma permanente, difundida e pessoal e explicam os acontecimentos ruins de forma temporária, específica e impessoal (Seligman, 1995). Os filhos de pais exigentes e responsivos são mais ativos, não desistem diante de derrotas e buscam tentar acertar numa nova tentativa, ou seja, pais autoritativos preparam melhor seus filhos para o enfrentamento de problemas.
Então, se o estilo autoritativo é o melhor caminho, como um pai autoritativo deve agir em relação aos comportamentos inadequados dos filhos? Em primeiro lugar: se o estabelecimento de regras for consistente e lógico e houver supervisão constante (dimensão da exigência); se houver respostas dos pais aos comportamentos dos filhos (incluindo o uso de reforçadores) e incentivo à autonomia da criança e fortalecimento de sua auto-estima (dimensão da responsividade); não sobrará muito espaço para a ocorrência de comportamentos inadequados. No entanto, as crianças cometam erros e eventualmente os pais precisam utilizar alguma estratégia para reduzir ou eliminar comportamentos inadequados e/ou transgressões aos limites.
A estratégia mais utilizada pelos pais é a punição física. Mesmo os pais autoritativos fazem uso dela, mas parece não ser coerente um pai ser exigente e responsivo e utilizar essa prática educativa. Bater no filho é uma prática parental que pode estar inserida tanto na dimensão da exigência quanto na de responsividade. Com relação à exigência: quando um pai bate num filho por um comportamento errado, está estabelecendo limites e/ou mantendo o cumprimento de regras. No entanto, isso está ocorrendo pelo lado negativo, o pai está mostrando o que o filho não deve fazer. Se as regras são coerentes e bem esclarecidas, os pais podem ensiná-las recompensando as boas atitudes dos filhos (por meio do carinho, do elogio, ou às vezes de pequenas recompensas materiais). Caso haja transgressão dos limites os pais devem fornecer uma resposta. Aqui entra a dimensão da responsividade: quando um pai bate num filho por um erro deste, está mostrando que toda ação possui uma conseqüência. Mas as crianças não necessitam de agressão física, se os pais devem responder às necessidades dos filhos, isso pode ser feito sem a palmada ou a surra. Outras estratégias apresentam-se como alternativa menos dolorosa e indigna do que a punição física, tais como time out, uso de conseqüências lógicas, adiamento de reforçamento.
Se adotar um estilo parental autoritativo é o mais adequado para uma educação saudável dos filhos, percebe-se a importância de combinar a exigência com a responsividade. Não é suficiente ser apenas exigente ou apenas responsivo. Os pais precisam ser firmes e manter certa autoridade e ao mesmo tempo perceber o que os filhos precisam, entendendo que eles também possuem exigências. Ao mesmo tempo em que os pais precisam ser respeitados em seus papéis, eles também devem respeitar os direitos dos filhos. Assim, se os pais fazem exigências, mas são responsivos, não punem a criança fisicamente em nome desse respeito.
:: Professora do Departamento de Psicologia e do Mestrado em Psicologia da Infância e da Adolescência da UFPR.
Fonte: Jornal Voz do Paraná