:: Por Roldão Arruda ::
O caso ocorrido na Universidade Bandeirante (Uniban) não afeta apenas a estudante Geisy Arruda. Trata-se de uma questão de direitos civis, que interessa a toda a sociedade. É preocupante a condescendência demonstrada com a turba que perseguiu e xingou a jovem por causa de sua vestimenta. Será que, ao tolerarmos esse tipo de comportamento, amanhã não acharemos normal algum jovem ensandecido agredir um judeu ortodoxo pelo fato de expor na rua uma vestimenta diferente? Não acharemos justo um grupo de skinheads espancar dois gays que se beijaram na rua, alegando que tal beijo os agrediu moralmente? Não acharemos divertido ver uma pessoa gorda ser ridicularizada em público pelo fato de ser gorda?
A lista poderia incluir negros, índios, nordestinos, pessoas idosas, pobres, outras minorias e grupos sociais contra os quais volta e meia se levantam velhos e arraigados preconceitos – aqueles que parecem ficar guardados em algum canto escuro do corpo social, latentes, à espera de um estímulo, um sinal verde para serem escancarados. No caso de Geisy, o que se viu foi a volta do patriarcalismo mais exacerbado, que, apesar de tudo que se diz e se vê sobre as conquistas das mulheres, continua a nos assediar. A mensagem indireta estava lá: as mulheres, que até 1932 ainda não tinham o direito ao voto, não estão autorizadas até hoje a dispor livremente de seus corpos. É por isso que volta e meia somos assombrados pela notícia de que algum homem matou a namorada por não suportar a ideia de que ela seria de outro – como se estivéssemos falando de posse. É por isso, provavelmente, que o Congresso, dominado por homens, não discute em profundidade a proposta de liberação do aborto. É por isso que as mulheres mais independentes ainda são chamadas de prostitutas.
O mais correto seria aproveitar episódios como esse para dar a volta por cima, reforçando nas universidades os ensinamentos sobre a magnífica catedral de direitos civis que, a ferro e fogo, literalmente, nossa civilização vem montando ao longo dos séculos. Nessas aulas certamente seria lembrado o pensamento de Claude Lévi-Strauss, que morreu na semana passada, após ter revolucionado o pensamento antropológico, ensinando que não existem civilizações superiores ou inferiores, mas sim diferentes.
Fonte: O Estado de S. Paulo